A JORNADA
DO HERÓI
Um ex-membro em busca de sentido
En español
Mr. M.
Prefácio
Ao ler as diversas cartas nesta Web, fiquei motivado também
a relatar a minha experiência, pois gostaria de poder
ajudar as pessoas que sofreram e sofrem. Meu caso é
parecido com tantos outros tão bem relatados. Por isso
gostaria de me deter mais no DEPOIS do que no ANTES da fase
Opus Dei. Isto é: e agora, o que fazer ?
Confesso que muitas vezes ao ler as cartas desta Web, passei
muito mal devido às lembranças passadas. De
certa maneira é como se voltasse a viver todos os tormentos
por que passei. É como voltar a Auschwitz. Mas então
por que continuo a ler os depoimentos? De certa forma, é
uma forma de me solidarizar com todos vocês, caríssimos
(as). De outra forma, foi a maneira que encontrei de me submeter
a uma nova tensão, levando-me a questionar e buscar
o sentido da vida.
Há tempos já havia esquecido do tema Opus Dei,
mas sempre a minha curiosidade buscou algo relativo ao tema
Ex-Numerário. Ou seja, algo mal resolvido no passado.
Esta Web satisfez a minha curiosidade, trazendo a tona experiências
similares a minha ou ainda, outras muito mais traumáticas.
Nada sabia de ex-numerários que passaram décadas
dentro da Obra. Pouco sabia de sacerdotes que deixaram a Obra.
Cada caso é um caso. Cada experiência, uma experiência.
A reação de cada um pode ter sido completamente
diferente de um outro. A nossa reação ao Opus
Dei pode ter diferente em cada momento de nossa vida.
Caríssimos(as), em minha saída também
traumática, estava padecendo de depressão e
um pouco de insônia. Devido ao meu estado mental fui
a um psiquiatra e comecei a fazer terapia. O psiquiatra em
questão não era da Obra, o que pode ter facilitado
a minha recuperação. Tentei alguns anti-depressivos
até me adaptar ao Prozac que tomo até hoje.
Quero compartilhar a minha experiência com vocês.
Mr. M*
*Mr. pois sou do sexo masculino, portanto ex-numerário.
M é a minha inicial. Mr.M é também um
mágico que revelou os truques de seus comparsas para
o público da TV, sofrendo portanto grandes perseguições.
Introdução
Cada história pessoal é única e, portanto,
cada processo de recuperação também é
único. Gostaria de compartilhar as minhas reflexões
para efeito ilustrativo, caso alguém tenha interesse
ou mesmo curiosidade.
Vou referir-me a cada um de nós como um herói
e então seguiremos esta narrativa percorrendo a jornada
do herói, seguindo uma estrutura semelhante a dos mitos
gregos. A descrição da jornada do herói
pode ser obtida através da leitura dos livros de Joseph
Campbell, "O Herói de Mil Faces" (original
em inglês: The Hero with a Thousand Faces) e "O
Poder do Mito" (original em inglês: The Power of
Myth). Ou ainda no livro de Christopher Vogler, "A Jornada
do Escritor" (original em inglês: The Writer´s
Journey) cujos estágios da jornada são retirados
deste livro e descrito a seguir:
1. Os heróis são apresentados no MUNDO COMUM,
onde
2. recebem um CHAMADO À AVENTURA.
3. Primeiro, ficam RELUTANTES ou RECUSAM O CHAMADO, mas
4. num encontro com o MENTOR são encorajados a fazer
a
5. TRAVESSIA DO PRIMEIRO LIMIAR e entrar no Mundo especial,
onde
6. encontram TESTES, ALIADOS E INIMIGOS.
7. Na APROXIMAÇÃO DA CAVERNA OCULTA, cruzam
um segundo limiar
8. onde enfrentam a PROVAÇÃO SUPREMA.
9. Ganham sua RECOMPENSA e
10. são perseguidos no CAMINHO DE VOLTA ao Mundo Comum.
11. Cruzam então o Terceiro Limiar, experimentam uma
RESSUREIÇÃO e são transformados pela
experiência.
12. Chega então o momento do RETORNO COM O ELIXIR,
a bênção ou o tesouro que beneficia o
Mundo Comum.
A palavra herói vem do grego, que significa "proteger
e servir". A raiz da idéia de herói está
ligada a um sacrifício de si mesmo. A jornada de muitos
heróis é a história da separação
da família ou tribo, equivalente ao sentido de separação
da mãe, que uma criança vivencia. É,
portanto, a nossa história de separação
da Obra.
O herói é motivado pelos impulsos universais
que todos podemos compreender: o desejo de ser amado e compreendido,
de ter êxito, de sobreviver, de ser livre, de obter
vingança, de consertar o que está errado, de
buscar auto-expressão.
1. Mundo Comum
Cada um nós na Obra estava imerso num ambiente seguro,
onde para qualquer doença sempre havia um remédio
na prateleira.
Na maioria das histórias o herói é levado
de seu mundo ordinário e quotidiano para um mundo especial,
novo e estranho.
Por exemplo, na saga de Harry Potter, o mundo comum do herói
é a entediante casa dos tios e o seu quarto limita-se
a um pequeno espaço debaixo da escada.
Os testemunhos relatados nesta Web mostram de maneira abundante
como era o nosso mundo dentro da Obra. Nossas normas de vida,
nosso Apostolado, nossas conversas fraternas etc. Por este
motivo, não vou me estender neste ponto. Passemos ao
estágio seguinte.
2. Chamado à aventura
Para muitos, a rotina dentro da Obra acabou nos sufocando,
pois o que nos faltava era um sentido. O que fazíamos
já não fazia mais sentido. Não sabíamos
mais o por quê das coisas. Apenas o fazer pelo fazer,
de forma mecânica, repetitiva. Ou seja, tudo culminou
numa grande perda do sentido da vida.
Algo estava errado e não funcionava mais. Não
havia mais um motivo do porquê fazer as coisas.
Como em Matrix, deveríamos decidir entre tomar uma
pílula de uma cor ou outra. Deveríamos escolher
entre ser ou não ser da Obra. Cada alternativa implicava
num mundo totalmente diferente. A nossa consciência
detectou uma falha no sistema operacional. Não dava
mais para trabalhar com DOS, tinha que partir para Windows
(ou Linux, se alguns preferirem). O Sistema Operacional da
Obra não se encaixava com o que havíamos entendido
inicialmente. A teoria e a prática pareciam coisas
distintas. As coisas não eram o que pensávamos
ser.
Neste estágio o herói se sente desconfortável
e perturbado. A sua auto-estima vai a zero.
O que ocorre neste estágio é a falta de sentido
da vida. Podemos pensar que foi a rotina que nos desgastou.
Mas não. Foi a falta de sentido na realização
nas tarefas. Podemos ilustrar isto através do apostolado
que fazíamos. Não víamos mais sentido
em chamar pessoas à meditação, pois nem
sentíamos que éramos amigos de tais pessoas.
Invertemos a conduta. Deveríamos ser primeiro amigos
de verdade e somente depois convidá-los para os meios
de formação. Colocamos a carroça na frente
dos bois. Das 100 almas deveríamos interessar-nos somente
por 1 , 2 ou 3 no máximo. Tínhamos que rejeitar
um amigo por não ser "apitável". Aquele
amigo tão legal, que tinha tantos aspectos em comum
comigo, deveria ser rejeitado e nos dedicar a algum outro
que sequer gostávamos tanto. Deveríamos cortar
uma amor e portanto um sentido de nossa existência.
Fomos contra o que Kant nos ensinou. Kant formulou o imperativo
categórico de modo a que nós tratemos as outras
pessoas sempre como um fim em si mesmo e não como um
simples meio para se chegar a outra coisa. Ou seja, não
devemos usar as pessoas. Não podemos brincar com suas
emoções e sentimentos de forma indevida. Enxergávamos
as pessoas apenas como meios para a minha santidade.
De acordo com Freud, em "O mal estar na civilização",
o nosso sofrimento provém de três fontes: o poder
superior da natureza, a fragilidade de nossos próprios
corpos e a inadequação das regras que procuram
ajustar os relacionamentos mútuos do seres humanos
na família, no Estado e na sociedade.
Pois bem, dentre estas três, a terceira fonte merecerá
maior destaque. Pois é mais fácil entender situações
como um terremoto ou o câncer.
As regras da Obra existiam até então e vinham
através de pessoas para lidarmos com pessoas. As regras
não existiam somente em linguagem escrita, pois havia
uma tradição oral. A nossa existência
tinha experiências específicas e num certo momento
ficamos confusos entre a teoria de um lado e a prática
de outro. Era a experiência e hierarquia das pessoas
mais velhas na Obra que acabavam sendo a palavra final. Para
muitos a constatação repetitiva de incompatibilidade
entre teoria e prática por vários anos acabou
levando a uma paralisia na capacidade de se fazer escolhas,
pois se chega num ponto em que não há mais espaço
para decisões próprias. Na dúvida consultava-se
sempre o diretor sobre isto ou aquilo.
A falta de sentido foi devido a uma quebra do paradigma.
O paradigma é o jeito como "vemos" as coisas,
em termos de percepção, compreensão e
interpretação. Um paradigma é um modelo,
uma representação da realidade, uma explicação,
da mesma forma que um mapa. Um mapa é uma representação
da realidade, mas não é a realidade. Pensávamos
que era de um jeito, mas na verdade era de outro. Quando aprendíamos
que, na verdade, era de outro jeito, explicavam que era porque
em tal situação acontecia isto e aquilo. Agora
se acontecesse isto, aquilo e não sei o que mais, então
seria melhor consultar o diretor o que fazer. Em resumo, o
mundo perfeito e seguro não existia mais. O que existia
em nossa frente era o caos. O chão não existia
mais. Estávamos flutuando.
A quebra de um paradigma pode se dar de maneira gradativa
ou de um só golpe, na porrada. O exemplo mais fácil
de se ilustrar é o caso de um membro da Obra se apaixonar
por um colega de trabalho, que encontra todos os dias da semana.
Primeiro vem um encantamento com a pessoa amada. O membro
acaba experimentando a experiência de amar alguém,
desprendendo-se de si mesmo. Esta sensação de
realização em seguida deve ser cortada, pois
não é o que a Obra quer. Mas como uma experiência
tão boa como esta, não pode vir de Deus? Por
que Deus permitiu que isto acontecesse comigo? A pressão
psicológica é tanta, que acaba levando a uma
crise profunda de sentido, pois vai totalmente contra o projeto
de vida que pensou ter. A pessoa é obrigada a negar
o sentido do amor de seu amado e em conseqüência
o sentido da vida. A pessoa entra em depressão. Não
sabe que alternativa escolher.
3. Recusa do chamado
O que se passa na cabeça de um numerário em
crise vocacional? Para muitos, foi o medo do inferno, da condenação
de Deus. Muitas coisas conspiram para desistirmos de nossa
jornada. Por exemplo, uma das frases mais fortes que li em
alguma Crônica, se não me falha a memória,
era que quem abandonasse a Obra sentiria o gosto do fel pelo
resto da vida. Ou ainda, conforme uma palestra de formação
foi dito "Vocação não se perde,
se joga pela janela (ventana)". Ou mesmo a Bíblia
trouxe-me grande inquietação, como em II Timóteo,
4, 10, "Demas me abandonou, por amor das coisas do século
presente, e se foi para Tessalônica". Eu me sentia
como um futuro Demas, infiel, impuro e mundano.
Nesta crise os sentimentos são altamente contraditórios.
Lembramo-nos de coisas boas e coisas más. Afinal havia
coisas boas também que nos agradavam como ser cristão
em meio ao mundo corrente, no meio de nossas ocupações
habituais, a necessidade de formação constante,
amizades feitas dentro da Obra etc. Passamos do amor ao ódio,
da confiança a suspeita, da esperança ao desespero.
Ao mesmo tempo, queremos e não queremos. Para aqueles
que optam por não ser da Obra, pensamos fazer até
coisas duvidosas, como escrever ao Papa para mudar a Obra.
Inventamos desculpas, adiamentos de sair da Obra. É
a recusa do chamado.
Neste vácuo existencial, podemos fazer querer o que
os outros fazem - conformismo - ou então fazemos apenas
o que os outros querem - totalitarismo.
Se nos encontrarmos neste estágio e não fizermos
nada, provavelmente entraremos em colapso nervoso. Podem vir
a insônia, a depressão, o stress, uma úlcera
no estômago etc. Não há mais como fugir.
Deve ser tomada a decisão.
De acordo com Viktor Frankl em "A questão do
sentido em psicoterapia" (original alemão: Die
Sinnfrage der psychotherapie), as ocupações
entediantes, que excluem decisões próprias,
levam mais freqüentemente à depressão e
às doenças psicossomáticas do que o faz
a sobrecarga.
Que sentido podemos dar a tamanho sofrimento? Será
todo este sofrimento inútil? Fazemos-nos de vítimas
neste estágio. Perguntamo-nos: Por que isto aconteceu
comigo? Por que eu?
4. Encontro com o Mentor
A função do Mentor numa história é
preparar o herói para o desconhecido, através
da orientação, proteção, experimentação,
treinamento, fornecimento de dons ou presentes mágicos.
Assim como Obi Wan foi o Mentor de Luke Skywalker. Assim como
o Dr. Xavier foi o Mentor dos X-Men. Assim como o sr Miyagi
foi o Mentor do Karatê Kid. Assim como o Professor Dumbledore
foi o Mentor de Harry Potter.
Na vida real temos na realidade diversos mentores, como pais,
irmãos e irmãs mais velhas, amigos, amantes,
professores, patrões, colegas de trabalho, terapeutas
e outros. Da mesma forma que James Bond, o 007, recebe instruções
de seu chefe, recebe consolo emocional de Moneypenny e recebe
o arsenal de armas secretas do agente Q.
Viktor Frankl, no livro "Em busca de sentido, um psicólogo
no campo de concentração", alerta que "do
caminho de alta tensão psicológica para o de
paz, não é de forma alguma livre de empecilhos.
Está enganado quem acreditar que o recém-liberto
do campo de concentração dispensa qualquer assistência
psicológica". Em seguida, Frankl faz uma analogia
com o que acontece com um mergulhador: "Assim como o
trabalhador submerso corre perigo de ordem fisiológica
caso abandone repentinamente a câmara de mergulho (onde
ele se encontra sob enorme pressão atmosférica),
da mesma forma a pessoa subitamente aliviada de enorme pressão
psicológica poderá ser prejudicada em sua saúde
espiritual e mental."
Desta forma, recomenda-se a todos que enfrentaram uma crise
muito grande a procura de um profissional qualificado para
tomar conta de sua saúde mental. O processo de recuperação
pode levar tempo e dinheiro. Por exemplo, a consulta médica
de um bom psiquiatra pode te custar em torno de U$ 100 a hora.
Invista em você. Pague pelo preço. Além
disso, você pode precisar tomar remédios. Não
se assuste, não ache que somente pela força
de vontade você irá superar os problemas. Muitas
vezes você irá precisar de uma ajuda química.
Abra a sua mente para esta postura, pois já é
meio caminho andado. Esta ajuda química pode durar
no mínimo 1 ano. Ou ainda, pode ser que você
tome remédio pelo resto de sua vida.
O mentor irá te guiar nesta jornada mostrando outras
realidades e trazendo conselhos preciosos. Assim como no filme
"Homem-Aranha", o tio Ben disse a Peter Parker:
"Com grandes poderes vem grandes responsabilidades."
Ou ainda Morpheus para Neo em "Matrix": "Você
é o escolhido".
5. Travessia do 1º Limiar
Após as quebras dos paradigmas, tomamos a decisão
de deixar a Obra para trás. Quando decidi não
ser mais da Obra, mas ainda estava em "domínio"
da Obra, evitei os costumes de casa, como o cumprimento Pax.
Mesmo que não tenhamos cumprido todos os trâmites
burocráticos da saída, já estamos mentalmente
fora.
A partir deste momento, o herói decide deixar aquele
mundo perfeito da Obra e entra num mundo novo, estranho e
hostil. Assustamo-nos facilmente com qualquer coisa.
As pessoas que deixamos para trás não mandam
mais notícias, pois temem este mundo estranho e misterioso
fora da Obra.
Uma lembrança que tenho após a saída
foi a constatação de não reconhecer mais
os modelos de carros nas ruas (o que agora é uma banalidade).
Para mim eram todos iguais. Isto foi devido à prática
de não ficar olhando para qualquer lado na rua e assim
guardar a pureza.
5.1. A liberdade de escolha
Tudo posso neste mundo. Se quiser posso liberar as paixões
mais vis, que procurei segurar por tanto tempo.
No mundo de fora, uma coisa é certa. Sou eu que faço
as escolhas e mais ninguém. Sou eu o responsável
pelas minhas decisões.
Neste mundo externo eu tenho plena liberdade de escolha.
Diante de um estímulo ou situação, eu
reajo da forma que eu escolher.
O meu comportamento é produto de minha própria
escolha e não foi imposta por ninguém. Sou o
responsável pelas minhas ações. Faço
por que quero e ninguém pode determinar o meu querer.
Stephen Covey descreve o que é a Proatividade, conceito
muito difundido em administração de empresas,
que transcrevemos a seguir (e mais uma vez cita-se Viktor
Frankl).
Um dia, nu e sozinho em um pequeno quarto, ele começou
a tomar consciência do que mais tarde chamou de "a
última das liberdades humanas" - a liberdade que
seus carrascos nazista não podiam tirar dele. Eles
podiam controlar completamente a situação e
o ambiente, podiam fazer o que quisessem com seu corpo, mas
o próprio Viktor Frankl era um ser dotado de autoconsciência,
e podia atuar como observador de seu próprio destino,
sua identidade básica estava intacta. Ele podia decidir,
dentro de si, como aquilo tudo iria afetá-lo. Entre
o que acontecia com ele, ou o estímulo, e sua reação,
estava sua liberdade ou poder de escolher qual seria a sua
reação.
No meio das circunstâncias mais degradantes que se
possa imaginar, Frankl usou o dom humano da autoconsciência
para descobrir um princípio fundamental da natureza
do homem: Entre o estímulo e a resposta encontra-se
a liberdade de escolha do ser humano.
Ao descobrir o princípio básico da natureza
humana, Frankl desenhou um mapa acurado de si, a partir do
qual começou a desenvolver o hábito principal
e básico de uma pessoa supereficaz em qualquer ambiente,
o hábito da proatividade.
Proatividade significa muito mais do que tomar a iniciativa.
Implica que nós, como seres humanos, somos responsáveis
por nossas próprias vidas. Nosso comportamento resulta
de decisões tomadas, e não das condições
externas. Temos a capacidade de subordinar os sentimentos
aos valores. Possuímos iniciativa e responsabilidade
suficiente para fazer com que as coisas aconteçam.
Pense na palavra responsabilidade - a habilidade para fazer
sua escolha. Pessoas superproativas acostumam-se com a responsabilidade.
Não colocam a culpa por seu comportamento nas circunstâncias,
condições ou condicionamentos. Seu comportamento
é produto de sua própria escolha consciente,
baseada em valores, e não resultado de um condicionamento,
baseado em sentimentos.
Uma vez que somos, por natureza, proativos, nossa vida só
será conseqüência das condições
e condicionamentos se deixarmos que estes fatores controlem
nossa mente, por decisão consciente ou omissão.
5.2. A liberdade de expressão
Frankl descreve o que acontece na fase de libertação.
"Descarrega-se a pressão que estava sobre ele
durante tantos anos. A forma de contar dá a impressão
de que a pessoa em questão estaria sob uma espécie
de compulsão psicológica, tanta é a ânsia
de contar, a necessidade de falar. (Pude observar este fenômeno
também em pessoas, que, mesmo pó pouco tempo,
estiveram sob pressão muito grande, como por exemplo
em interrogatórios da Gestapo)."
Foi o que aconteceu comigo. Mesmo sendo tímido, passei
a falar muito mais com as pessoas. Senti uma ânsia terrível
de descarregar tudo que tinha dentro de mim.
Em Opuslibros, temos total liberdade de expressar o que sentimos
durante muito tempo. Podemos extravasar todos os sentimentos
pelos quais passamos. Estes relatos servem para nos solidarizar
uns aos outros. Através desta Web podemos conhecer
o que acontecia lá dentro por relatos dos que estão
fora. E aquele mundo perfeito em que pensávamos estar
também tinha as suas contradições e mazelas.
Aqui podemos falar das coisas mais impensáveis dentro
da Obra.
5.3. Aprender tudo de novo
Fora do campo de concentração, Frankl relata
uns pensamentos estranhos que nos rondam a cabeça após
a libertação. "Diga-me uma coisa - você
chegou a ficar contente hoje ?" O outro responde:"Para
ser franco, não!" E fica envergonhado, porque
não sabe que com todos é assim. Literalmente,
desaprendemos o sentimento de alegria. Será necessário
aprender de novo a alegrar-se.".
Estar fora, como estar dentro, não é garantia
de nossa felicidade, de nossa realização. Agora
que estamos fora, devemos aprender tudo de novo.
6. Testes, aliados, inimigos
6.1. Teste da nossa família de sangue
No mundo de fora, a nossa relação com nossa
família de sangue pode sofrer uma nova mudança.
Acredito que aqueles que nasceram dentro de uma família
de membros da Opus Dei, o sofrimento é muito grande
pois pode existir uma rejeição da própria
família. Este não foi o meu caso, mas pode-se
constatá-los nos testemunhos.
Para aqueles que não tem pessoas na família
da Obra, o apoio que recebemos deles é de fundamental
importância. Este foi o meu caso e nele pude constatar
o amor à liberdade de meus pais. Quando decidi entrar
na Obra, meus pais ficaram muito tristes, mas respeitaram
totalmente a minha escolha. Este respeito foi porque eles
acreditavam que no que eu dizia, que era tornar-me membro
da Obra e que seria feliz lá dentro. Quando decidi
sair da Obra, acolheram-me tão felizes quando deixaram
me ir. Meus pais amaram-me independente de eu ser da Obra
ou não e nisto eu sou-lhes extremamente grato.
6.2. O teste da expansão: Carpe Diem
Quando eu era da Obra, um dos meus defeitos era a inflexibilidade,
a minha radicalidade, ou seja, o oito - 8 ou oitenta - 80.
Este defeito me levou a criar um outro que carrego até
hoje. Dar me o direito de ter prazer. Uma conseqüência
disto é não saber planejar e gozar as férias
e os finais de semana. Outras pessoas manifestam-se por serem
workaholics.
Uma outra característica minha era ser extremamente
cruel no exame de consciência. Isto me levava a uma
auto-crítica negativa muito severa.
Tudo isto é por que estava preso a mim mesmo. Deveria
me expandir. Deveria sair das minhas próprias preocupações.
Na década de 90, um dos maiores best-sellers de administração
foi o livro de Stephen Covey, Os 7 Hábitos das pessoas
muito eficazes. Neste ponto ajudou-me muito a abordagem dada
por Stephen Covey sobre o Círculo das Preocupações/Circula
da Influência, do qual tomei alguns trechos: "as
pessoas proativas concentram seus esforços no Círculo
de Influência. Elas mexem com as coisas que podem modificar.
A Natureza de sua energia é positiva, engrandecedora
e ampla, o que leva ao aumento do Círculo de Influência".
"As pessoas reativas, por outro lado, concentram os esforços
no Círculo das Preocupações. Seu foco
recai nas fraquezas dos outros, nos problemas do meio ambiente,
nas circunstâncias que fogem a seu controle. Este foco
resulta em atitudes acusatórias e lamentações,
linguagem reativa e postura de eterna vítima."
Devemos esquecer de nós mesmos e olhar para fora de
mim. Frankl diz: "Quero salientar que o verdadeiro sentido
da vida deve ser descoberto no mundo, e não dentro
da pessoa humana ou de sua psique, como se fosse um sistema
fechado. Chamei esta característica constitutiva de
"a autotranscendência da existência humana".
Ela denota o fato de que ser humano sempre aponta e se dirige
para algo ou alguém diferente de si mesmo - seja um
sentido a realizar ou outro ser humano a encontrar. Quanto
mais a pessoa esquecer de si mesma - dedicando-se a servir
uma causa ou amar outra pessoa - mais humana será e
mais se realizará".
Como estava totalmente fora da realidade, procurei fazer
outras atividades paralelas, que me dessem prazer e ao mesmo
tempo me conectava com outras pessoas. Obrigava-me a ter novos
relacionamentos e novas amizades. Fiz várias coisas
como aulas de teatro, dança de salão, guitarra,
canto popular, línguas, fotografia etc. Isto me obrigava
a sair de mim mesmo.
Numa de minhas férias resolvi viajar sozinho de mochila
nas costas pela Europa, passando por diversas cidades. Treinei
assim o meu inglês nestes países, o que posteriormente
foi de grande valia profissional. Tirei várias fotografias.
Conheci outras pessoas e outras culturas.
A experiência da expansão tem como objetivo
sair de nosso isolamento e de nossa solidão. A solidão
é um inimigo terrível. Após a Obra estamos
sós. Se cortarmos os relacionamentos humanos, ficaremos
presos em nosso limitado mundo, com os nossos próprios
pensamentos que podem ser muito destrutivos e levar-nos à
ruína. O nosso pensamento deve ser para fora e não
para dentro.
6.2. Aliado: a capacidade de rir de si mesmo
Um grande aliado nosso é o bom humor e a capacidade
de rirmos de nós mesmos. Creio que em nossa busca pela
perfeição na Obra, muitos se caracterizam pelo
perfeccionismo. Ou ainda, tem medo de errar. Não admitem
o erro, pois vivem nos mundo das idéias, onde tudo
é perfeito. Podemos errar e rirmos dos nossos erros.
O verdadeiro filósofo é aquele que sabe viver
a vida com bom humor, com seus erros e acertos e não
aquele que escreve um imenso compêndio.
Frankl diz: "Também o humor constitui uma arma
da alma na luta por sua autopreservação. Afinal
é sabido que dificilmente haverá algo na existência
humana tão apto como o humor para criar distância
e permitir que a pessoa se coloque acima da situação,
mesmo que somente por alguns segundos."
Não me levar tão a sério significa que
posso mudar de posição. Hoje eu penso assim.
Amanhã posso pensar de maneira radicalmente diferente.
Os políticos sabem utilizar muito bem esta arte e achamos
deplorável, contraditório e ridículo.
Nas épocas das eleições, os políticos
prometem de tudo na campanha. Depois que assumem um cargo
no governo, tudo o que prometeram não vale mais. Mudam
tranqüilamente de posição. Afinal o contexto
agora é outro. Aprendamos com os políticos e
melhoremos o nosso humor.
6.3. Aliado: "Acostuma-te a dizer que sim"
Ao longo da jornada do herói, são quebrados
diversos paradigmas em toda a trajetória. Um destes
paradigmas seria o ponto nº 5 de Caminho, "Acostuma-te
a dizer que não".
A nossa tradição judaico-cristã enfatiza
muito as coisas pelo NÃO. Lembro-me que nas meditações
os temas falavam justamente pelo seu oposto. As aulas de filosofia
nos cursos anuais também definiam as coisas da filosofia
moderna pelo que não eram. Por exemplo, numa meditação
com o tema da alegria, havia uma definição extensa
do que era a tristeza e somente nos dois minutos finais da
meditação falava-se um pouquinho da alegria.
Ou seja, não se fala do que não se conhece.
Fala-se daquilo que vivemos.
O mal é a ausência do bem. Mas o que é
o bem ? Fazer o bem, de modo bem feito, é mais difícil.
É mais fácil destruir e criticar. No entanto
escrever um poema, escrever uma música e pintar um
quadro são coisas mais difíceis de serem feitas
do que fazer críticas de arte em cima delas. Fazer
estas obras de arte bem feitas é que é difícil.
Contemplá-las é fácil, quando estas possuem
uma beleza única.
Adotemos então uma visão mais positiva em relação
à vida, sem juízos prévios e preconceitos.
7. Aproximação da Caverna Oculta
No mundo exterior como tudo podemos, podemos cair em outras
armadilhas da vida. Conforme Frankl, podemos fugir da busca
do sentido da vida mergulhando-nos por uma "vontade de
poder, incluindo a sua forma mais primitiva forma, que é
a vontade de dinheiro. Em outros casos, o lugar da vontade
de sentido frustrada é tomado pela vontade de prazer.
É por isso que muitas vezes a frustração
existencial acaba em compensação sexual. Podemos
observar neste casos que a libido sexual assume proporções
descabidas no vazio existencial."
Neste mundo podemos cair na velha armadilha de somente nos
preocuparmos com dinheiro, sexo e poder no trabalho. Daí
deixamos de perguntar sobre o sentido de nossa vida e vivermos
alienados.
Frankl em "A questão do sentido em psicoterapia"
(original alemão: Die Sinnfrage der psychotherapie)
tem uma interessante passagem: "Frente à morte,
porém está a vida, e se este homem está
certo, então também nossa vida seria toda sem
sentido, se nós nada mais desejássemos que colher
prazer - o máximo possível e os maiores prazeres.
O prazer em si não é nada que consiga das sentido
à existência; portanto a falta de prazer também
não está em condições de retirar
o sentido da vida."
Podemos ser tentados a ficar na superficialidade e não
nos aprofundarmos na questão primordial, que é:
Qual o sentido da vida ? Antes a resposta era dada pela Obra.
Agora não temos a Obra e nós temos que dar esta
resposta.
Podemos fugir de várias coisas, menos de nós
mesmos. Antes mesmo de entrarmos na Obra já nos perguntávamos
sobre o sentido da vida. Buscamos este sentido na Obra e não
a encontramos. Agora estamos fora da Obra e a mesma pergunta
paira no ar.
O herói ainda não venceu a batalha. Não
sabemos situar a Obra em nossa vida. Muitos podem estacionar
neste estágio da jornada. Ainda não deram o
grande salto.
8. Provação Suprema
Ou seja, o herói cresce e se transforma. Como identificar
o personagem principal numa história? A melhor resposta
é: aquele que aprende ou cresce mais no decorrer da
história.
Caso a decisão de ter abandonado a Obra não
leve necessariamente a um crescimento do herói de nada
valerá esta jornada. A alienação continua,
independente de se continuar ou não na Obra.
Vejamos, se optar por ficar na Obra de forma conformista,
não haverá crescimento. Pois qualquer mudança
é exigente. Afinal sempre foi assim, por que mudar?
Este é um exemplo de alienação conformista.
Outro tipo de alienação é a dos revoltados.
Optam por não ser da Obra e só reclamam. A culpa
é sempre dos outros. São as eternas vítimas.
O mundo conspira contra mim. Ficam presas ao problema e não
à solução. São os apaixonados
pelo problema. Para estes também não há
o crescimento, pois pararam neste estágio e não
prosseguiram na jornada do herói. O sofrimento de nada
valeu. Ocorre uma deformação no caráter
e o que se encontra é só amargura. A amargura
vem do contato com experiências diversas de outras pessoas
que passaram por tamanho sofrimento, mas não encontram
um sentido deste sofrimento, somente superficialidade e inércia.
A reação que muitos têm é de fugir
e não querer ouvir e saber de mais nada sobre esta
experiências de sofrimento.
8.1. Revolta contra o mentor
Em nossa luta podemos achar que ninguém nos compreende.
Podemos ficar chateados com o nosso mentor e abandonar a luta.
Podemos ser tentados a interromper a nossa terapia por conta
própria.
Caríssimos (as), para aqueles que tomam remédios,
digo-lhes que somos tentados a evitar os remédios,
pois o nosso orgulho e nossa vaidade não admitem a
nossa fraqueza e debilidade. Já vi alguns casos de
pessoas que começam a tomar remédios e logo
desistem, pois não admitem a necessidade de uma ajuda
externa (química). E logo depois sofrem nova crise.
Ou seja, o processo de recuperação se alonga
e se atrasa mais. Isto é puro orgulho. Se o médico
te prescrever um remédio, obedeça. Afinal, este
profissional estudou por anos e conhece os mistérios
da mente. Quanto à escolha do médico, peça
recomendações de pessoas conhecidas ou familiares.
Se não gostou de um médico, troque e procure
outro. Pois se não há confiança não
se faz progresso. O progresso de recuperação
depende somente de nós mesmos. Terapia não é
coisa de loucos. Todos nós precisamos. Gente que foi
da Obra e gente que nem sabe o que é isso.
8.2. Quebrando o paradigma da Obra
Citando de novo Frankl, "De tudo isso podemos aprender
que existem sobre a terra duas raças humanas e realmente
apenas essas duas: a "raça" das pessoas direitas
e a das pessoas torpes. Ambas as "raças"
estão amplamente difundidas. Insinuam-se e infiltram-se
em todos os grupos: não há grupo constituído
exclusivamente de pessoas decentes, nem unicamente de pessoas
torpes. Neste sentido não existe grupo de "raça
pura", e assim também havia uns e outros sujeitos
decentes no corpo da guarda."
Caríssimos (as), ser ou não ser da Obra, não
me faz ser do bem ou do mal. Existe sim a combinação
de alternativas. Expliquemos de forma bem matemática
esta combinação de 2 a 2, resultando em 4 grupos.
Tem gente boa na Obra que ficou e que se realiza lá,
trabalhando de forma incansável e batalhadora. Também
existe gente mal na Obra, que fez e faz sofrer a muitos(as).
E do lado de fora da Obra também. Tem muito ex-numerário(a)
que é gente boa e busca ser feliz na terra. Mas também
há muito ex-numerário(a) que é gente
do mal, é infeliz e quer que todas as pessoas sejam
infelizes.
Mais uma vez Frankl, "A bondade humana pode ser encontrada
em todas as pessoas e ela se acha também naquele grupo
que, à primeira vista, deveria ser sumariamente condenado.
As delimitações se sobrepõem. Não
podemos simplificar as coisas dizendo: "Os prisioneiros
são anjos, e os guardas são demônios".
Como estamos do lado de fora da Obra, pensemos bem assimetricamente,
sendo o advogado do diabo contra nós mesmos, de forma
a quebrar mais um paradigma. Frankl diz " Contrariando
o que de modo geral é sugerido pela vida no campo de
concentração, ser guarda ou supervisor e ter
uma atitude humana para com os prisioneiros sempre será
de certa forma um mérito pessoal e moral". Como
exemplo, Frankl conta que um dos guardas do campo de concentração
comprava remédios com seu próprio dinheiro e
dava para os prisioneiros. Após a libertação
dos prisioneiros, eles próprios protegeram este guarda
do exército oposto de forma que fosse entregue dignamente.
Ou seja, temos lembranças de pessoas boas e honestas
na Obra que praticaram o bem conosco.
Continuando nesta linha de raciocínio, Frankl diz
"Em contrapartida, é particularmente deplorável
a baixeza do prisioneiro que inflige um mal a seus próprios
companheiros de dor." É muito triste vermos pessoas
que não puderam captar o sofrimento de um companheiro
e ainda assim ridicularizá-lo. Em algumas trocas de
correspondências no Opuslibros, vemos que tem gente
com certo sarcasmo nas colocações para outros
ex-membros. Cada experiência foi única e dentro
de um determinado contexto. Tem gente que pegou o Dr. Mengele
no campo de concentração e sofreu muitíssimo.
Tem gente que pegou uma pessoa mais humana e não sofreu
de forma tão intensa. Nem por isso a primeira vítima
é superior e com mais direito de proclamar que sofreu
mais e é, portanto, mais digna. Ninguém tem
direito de praticar injustiça, nem mesmo aquele que
sofreu injustiça.
No mundo real, não existem somente duas posições.
Pró-Opus Dei e Anti-Opus Dei. Existe uma terceira via.
Nem contra e nem a favor, pois já não dou tanta
importância para este tema. Não troquemos uma
obsessão por outra. Não passemos do amor ao
ódio.
8.3. Novas abordagens do meu relacionamento com a Obra
Podemos encarar o Opus Dei como uma ex-namorada (o). Quando
a conhecemos, pensamos ter encontrado o amor de nossa vida.
Foi uma paixão avassaladora. Vivemos até debaixo
do mesmo teto. Vivíamos a Obra 24 horas por dia. Até
enfrentamos a nossa família, os nossos amigos e colegas
para ficar na Obra. Até namorávamos escondidos
de nossos pais e não contamos que já estávamos
até comprometidos (ou seja, escrevemos a carta ao Padre).
No entanto, quando nos conhecemos melhor, vi que havia diferenças
em nossa forma de ser. Tínhamos costumes diferentes.
Víamos a realidade de uma forma diferente. Não
ia dar certo. Mas seu amor por mim era extremamente exigente.
Falei que queria dar um tempo. Estava me sentindo sufocado.
Estava me sentindo vigiado. O amor é possessivo. Quando
amamos, queremos ter a pessoa amada. A Obra queria me ter
e fez todo o esforço possível para que não
a abandonasse. Neste esforço acabou falando até
algumas besteiras, que acabaram me ferindo. A Obra não
queria dividir o seu amor por mim com mais ninguém.
Ninguém mais poderia me amar. Pelo nosso bem e pelo
bem da Obra, resolvi me ir, pois este amor não daria
mais certo. Foi melhor assim. Acredito que esta ex-namorada
(o) pode ter encontrado outra pessoa e esta pessoa pode estar
muito feliz. Esta outra pessoa, não é nem melhor,
nem pior que eu. É simplesmente outra pessoa. Para
mim, o que acontece entre elas agora, não me diz mais
respeito. Nem me interessa falar a esta outra pessoa dos defeitos
da minha ex -namorada, por que todos temos defeitos. Talvez
estes defeitos sejam até compatíveis com esta
outra pessoa. Talvez esta outra pessoa até goste destes
defeitos e não os veja como defeitos.
Por isso não sou pró e nem anti. Muitos diriam,
mas se não é anti Opus Dei, por que não
volta a Obra. Por que não tem nada haver a nossa relação.
Não volto com uma ex-namorada, por que não tem
mais nada haver. Tentei uma vez e não deu certo. Não
houve combinação química. Não
houve entrosamento.
Este caso relatado anteriormente foi o que se passou comigo.
Nesta relação entre eu e a Obra, quem rejeitou
o amor fui eu. Eu fui o ator. Eu rejeitei este amor.
Ao fazer esta constatação, lembrei me de casos
diferentes ao meu. Esquematizei então os possíveis
cenários entre esta relação de uma pessoa
e a Obra, a saber:
- EU rejeitei a OBRA; a OBRA amou ME;
- A OBRA rejeitou-ME; EU amei a OBRA;
- A OBRA e EU rejeitamo-nos reciprocamente;
- A OBRA e EU amamo-nos reciprocamente.
No caso "A OBRA rejeitou-ME; EU amei a OBRA" é
visto em alguns depoimentos e constatei este caso numa pessoa
no Centro onde vivi nos meus últimos tempos de numerário.
A Obra chega, diz-me que não tenho vocação
ao Opus Dei e que devo pedir a dispensa. É o que chamamos
de levar um pé no traseiro. É quando nos apaixonamos
por alguém, só que a pessoa amada não
corresponde ao nosso amor. É o fim do mundo, pois sentimo-nos
rejeitados pela única pessoa no mundo que não
nos podia rejeitar. Nos meus últimos dias fiquei um
tanto confuso com este caso, pois eu queria sair só
que me falavam para ficar. Para quem queria ficar, os diretores
diziam que era para sair. A Obra, através de seus diretores,
chegaram à conclusão que estas pessoas não
deveriam ser mais da Obra. O nosso jeito de ser não
combinava com o jeito Opus Dei. Esta constatação
também foi verificada após termos experimentado
em conjunto esta convivência.
Neste caso a nossa auto-estima fica muito baixa na pessoa
rejeitada. Afinal, será que não sou bom? Não
sou digno de ser amado?
Quando estamos no mundo real somos sujeitos a este tipo de
situação em relação ao amor humano.
Podemos ficar extremamente apaixonados por alguém.
Declaramos o nosso amor a esta pessoa e a resposta é
um não. A pessoa amada pode ser muito bondosa e até
dizer: "Olha eu gosto de você, mas como amigo,
entende? Podemos continuar amigos, mas não amantes".
Como já dissemos, o amor é possessivo. Mas se
não dá para sermos amantes, será muito
difícil sermos amigos. É difícil suportar
a constatação que nossa amada está a
espera de um outro e este outro não sou eu. Por isso
é normal nos afastarmos. Por isso, quando eu rejeito
a Obra e a Obra me ama, a Obra não me procura mais.
No caso "A OBRA e EU rejeitamo-nos reciprocamente",
ambos chegaram à conclusão que não se
queriam mais um ao outro. Este é o caso onde o término
da relação dá-se de maneira mais amigável.
Como se diz em alguns relatos, com um abraço no final.
Talvez este seja um dos casos mais raros de se acontecer.
Em alguns casos deve ocorrer num momento mágico. Ambas
as partes chegam nesta conclusão ao mesmo tempo. Caso
um se adiante na frente do outro, a parte que ficou para trás
pode ser que se sinta um tanto traída e reveja a posição
e se manifeste até de forma contrária.
No último caso "A OBRA e EU amamo-nos reciprocamente"
são para aqueles que ficam e se realizam lá
dentro. Esta também é uma possibilidade que
não podemos negar que exista. Tem gente lá dentro
que está feliz, pois encontro o sentido da vida lá
dentro da Obra.
A metáfora apresentada da Obra ser caracterizada como
uma pessoa demonstra que a quantidade de experiências/relacionamentos/cenários
é infinita. Poderíamos colocar estes cenários
em termos de duração. Ou seja, para aqueles
que fizeram a fidelidade, a oblação, aqueles
que ficaram somente uns meses, aqueles que ficaram somente
uns anos etc.
Na leitura de alguns testemunhos, pude notar também
que para alguns casos a abordagem da Obra conforme descrito
anteriormente, isto é, como uma ex-namorada(o), ex-mulher
ou ex-marido, poderia não ser um tanto adequada, devido
a falta de elementos de contexto que pudessem dar um significado
mais profundo para a pessoa afetada pela falta de sentido.
Estimulado por buscar compreender um ponto de vista diferente
do que eu passei, conforme vários relatados de testemunhos,
acabei elaborando uma outra abordagem que espero que possa
ajudar alguém.
Nada melhor que o futebol para ilustrar esta abordagem, devido
à paixão que este jogo desperta em vários
países e assim quebrarmos mais um paradigma.
Nesta abordagem comparativa, o que nos une é paixão
pelo futebol. Como temos a Obra em diferentes países,
vamos ilustrar com os seus respectivos nomes de forma a ilustrar
melhor.
No Brasil, o adversário mais temido na Copa do Mundo
é a Argentina. Sem dúvida, este é um
nome que dá medo nos brasileiros, pois é, sem
dúvida alguma, um dos adversários mais fortes
do Brasil. E revelo que um dos defeitos mais gritantes nos
torcedores brasileiros é torcer contra a Argentina.
Ou seja, se o Brasil for eliminado nos jogos eliminatórios
da Copa do Mundo, muitos brasileiros gostam de torcer CONTRA
a Argentina. Existe um certo prazer doentio neste tipo de
abordagem, o que se trata de uma tremenda besteira. É
uma perda de tempo. É coisa de frustrados que não
admitem a alegria dos outros. Se vão ao inferno, querem
levar o maior número possível de pessoas juntos.
Fazendo esta abordagem, lembrei-me da Copa do Mundo de 1978
na Argentina. Nesta Copa do Mundo, o Brasil seria eliminado
caso a Argentina ganhasse do Peru por uma diferença
de 6 (SEIS) Gols. O resultado deste jogo foi coincidentemente
de SEIS A ZERO. Neste momento, o Brasil caiu fora da Copa
do Mundo e a Argentina continuou nos jogos até ser
campeão do Mundo. Para este fato em concreto poderíamos
falar, opinar, escrever de montão. Poderíamos
falar que achamos uma tremenda injustiça e outras coisas
mais. No entanto, existe um fato inegável que não
dá mais para voltar. A Argentina foi campeã
do Mundo em 1978. Diante deste fato, acharia uma tremenda
perda de tempo alguém pedir para a FIFA que retirasse
o TÍTULO de campeão mundial da Argentina. O
mesmo com relação ao TÍTULO de Santo
de Josemaría Escrivá dada pela Igreja Católica.
Não dá mais para discutir isto. Isto já
foi e não se muda mais. Se foi justo ou injusto um
título, não adianta mais discutir caso isto
não acrescente algo a minha existência.
Neste ponto, creio que não dá mais para mudar
a Igreja Católica. Isto pode me afetar caso continue
fiel ao Catolicismo. No entanto, podemos de novo voltar a
abordagem de encarar estas instituições (Igreja
e Obra) como pessoas. Não posso pedir a minha mãe
que deixe de amar um outro irmão. Este meu irmão
pode ter tido mais privilégios em relação
a minha pessoa, pode ter sido uma pessoa tremendamente má
comigo, pode ter herdado uma fatia maior da herança
da família. Mas não posso pedir para minha mãe
que não o ame. Pois ela o ama com seus defeitos, que
muitas vezes ele sequer admite que os tenha. A minha conciliação
deve ser com minha mãe. Isto é o que devo buscar.
Noto nos testemunhos que existe para muitos uma certa tristeza
com a Igreja Católica devido à canonização
de Josemaría Escrivá. Na verdade eu nem me considero
mais católico (o que pode ser motivo de escândalo
para muitos e que agora, irão medir milimetricamente
cada frase deste testemunho), mas nem por isso deixo de entender
o que passa na cabeça das pessoas que continuam católicas
e que necessitam de meios de uma reconciliação.
Para ajudar nesta reconciliação, tenho uma
outra abordagem que pode ajudar a dar um sentido a mais nesta
reconciliação. As diretrizes desta abordagem
foram dadas pelo meu Mentor, ou seja, o médico psiquiatra
que me atende. A abordagem é a seguinte: a Obra é
totalizante (que é diferente de ser totalitária).
Quando decidimos ser da Obra, foi-nos entregue um pacote
imenso de coisas que nem sabíamos direito. Não
dava para escolher somente aqueles aspectos que mais nos interessavam.
Deveria engolir o pacote inteiro. Isto se dá muitas
vezes nos pacotes turísticos que compramos quando fazemos
uma viagem de férias. Nos pacotes turísticos,
podem existir coisas que não me agradam nada, como
por exemplo, submeter-me aos horários de saída
e entrada no ônibus que vai para determinado ponto turístico.
Ou ainda, quero permanecer num determinado ponto turístico,
mas o guia de turismo me adverte que já devemos sair.
Ou ainda, não quero passar na lojinha para comprar
lembranças, mas obrigam-nos a fazer diversas paradas
em diversas lojinhas da rede de turismo. Num caso extremo
destes, acho que é preferível não comprar
mais pacotes turísticos. No entanto, daí vou
ter que ter o trabalho de fazer o meu próprio roteiro.
Vou ter que decidir o que fazer. Vou ter que reservar o hotel,
comprar as passagens de ônibus ou avião, estudar
os mapas etc. As opções de escolha serão
determinadas por mim. No caso do pacote turístico,
é mais cômodo, pois tudo já está
esquadrinhado. Escolheram por mim. Não fui eu que escolhi.
Algumas pessoas se submetem a esta situação
por opção própria e até gostam
deste tipo de passeio. Também numa experiência
com pacote turístico posso aproveitar somente o que
me interessa e repetir esta experiência do meu jeito.
Não há mal algum nisto. É neste ponto
que quero me deter mais. Por exemplo, tem ex-membros que ainda
se emocionam quando escutam determinadas frases da Obra, pois
ainda possuem sentido para elas. Não há problema
algum de gostar destas frases ou de determinados costumes
da Obra. O problema é que certas experiências
só podem ser sentidas lá dentro da Obra e mais
em nenhum outro lugar. E se você quer ter estas experiências
de novo, somente lá você poderá tê-las.
Não dá para ganhar tudo na vida. Algumas coisas
nós perdemos e algumas coisas nós ganhamos.
Stephen Covey explica isto de maneira formidável.
Os problemas que enfrentamos encaixam-se em uma das três
categoria seguintes: controle direto (problemas que envolvem
nosso próprio comportamento); controle indireto (problemas
que envolvem o comportamento dos outros) e controle inexistente
(podemos em que não podemos interferir, como nosso
passado ou realidades situacionais). E mais na frente: Problemas
de controle inexistente implicam assumir a responsabilidade
de mudar nossa atitude em relação ao que não
podemos modificar - aprender a sorrir, a aceitar de modo genuíno
e pacífico estes problemas, aprender a conviver com
eles, apesar de não gostarmos do fato. Desta forma,
impedimos que estes problemas nos controlem. Agimos de acordo
com a máxima contida na oração dos Alcoólicos
Anônimos: "Senhor, dai-me a coragem para mudar
as coisas que podem ser mudadas, a serenidade para aceitar
as coisas que não podem mudadas e a sabedoria para
distinguir umas das outras."
8.4. Final da batalha
Podemos finalizar este estágio de nosso conhecimento
em relação à Obra, conforme Hegel denominou
de tese, antítese e síntese.
Na tese: eu AMAVA a Obra.
Na antítese: eu ODIAVA a Obra.
Na síntese: eu PERDÔO a Obra, ou ainda, eu COMPREENDO
a Obra.
Caríssimos (as), errar é humano, mas perdoar
é divino.
Eu perdôo, mas não esqueço. I forgive
it, but I can´ forget it.
9. Recompensa
De acordo com Frankl, podemos descobrir o sentido na vida
de três diferentes formas: 1. criando um trabalho ou
praticando um ato; 2. experimentando algo ou encontrando alguém;
3. pela atitude que tomamos em relação ao sofrimento
inevitável. A primeira, o caminho da realização
é bastante óbvio. A segunda maneira de encontrar
um sentido na vida é experimentando algo - como a bondade,
a verdade e a beleza - experimentando a natureza e a cultura
ou,ainda, experimentando outro ser humano em sua originalidade
única - amando-o. Amor é a única maneira
de captar outro ser humano no íntimo de sua personalidade.
9.1. Um novo amor
Em nossa jornada, os heróis não se tornam heróis
até a crise. Antes disso, são apenas aprendizes.
Não merecem ser amados de verdade enquanto não
mostrarem sua disposição para o sacrifício.
Após a provação suprema, o herói
encontra a sua amada, fazendo-se digno de merecê-la.
Na etapa de expansão conhecemos diferentes pessoas
e podemos encontrar lá a mocinha do filme. De maneira
natural e não forçada. Esta pessoa pode ser
tanto uma magrinha de 45 kg, como uma gordinha de 93 kg, conforme
experiências relatadas nas correspondências. Pode
ser uma mocinha que saiba até ler mapas e fale pouco,
apesar de ser meio improvável. Também pode ser
que a heroína encontre o mocinho. Este pode ser gorducho
e careca, como também alto, esbelto e carinhoso. Também
pode ser que o mocinho da heroína, seja uma pessoa
que se interesse por todos os assuntos de sua mulher, conversando
ininterruptamente com ela, apesar também de ser meio
improvável. (ver PEASE, B; PEASE, A. "Por que
os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor"/em português;
"Why men don´t listen and women can´t read
maps"/em inglês; Por que los hombres no escuchan
y las mujeres no entienden los mapas: Porque somos tan diferentes
y que hacer para llevarlo bien/em espanhol)
Do nosso novo amor, nascem os nossos filhos. Podemos criá-los
de forma amorosa, com muita compreensão e diálogo.
De acordo com Frankl, o amor não é interpretado
como mero epifenômeno de impulsos e instintos no sentido
de uma assim chamada sublimação. O amor é
um fenômeno tão primário como o sexo.
Normalmente, sexo é uma modalidade de expressão
de amor. O sexo se justifica, e é até santificado,
no momento em que for veículo do amor, porém
apenas enquanto for. Desta forma, o amor não é
entendido como mero efeito colateral do sexo, mas o sexo é
um meio de expressar a experiência daquela união
chamada amor.
9.2. A realização no trabalho
Frankl cita que a realização na criação
de um trabalho é um tanto óbvia. Olhando de
forma assimétrica, a falta de trabalho também
não seria motivo para não se ter um sentido
na vida. Um ex- membro pode encontrar diversas dificuldades
para encontrar um emprego caso tenha se afastado do mundo
e se limitado aos trabalhos internos. Atualmente existe uma
crise mundial do emprego, tornando mais grave esta situação.
E a nossa sociedade industrial enaltece a necessidade de uma
utilidade econômica para cada indivíduo, ou seja,
se não produzo sou um inútil e a vida não
tem sentido. No entanto Frankl cita que os doentes psíquicos
encontram-se pronunciadamente nas camadas médias e
superiores, ou seja, pessoas que vão bem externamente,
mas não são felizes. Pessoas bem pagas e vivem
em situação confortável. São pessoas
ativas, mas sem um sentido na vida.
Levando o raciocínio da utilidade ao extremo chega-se
facilmente à eutanásia, ao aborto e aos campos
de extermínio. Em contraposição à
utilidade coloca-se a dignidade de cada pessoa.
Voltando ao problema do desemprego, pode-se preencher a vida
de sentido através da realização de um
trabalho voluntário. Com isto pelo menos apenas parte
do problema, mas não se tira o sentido da vida.
10. Caminho de Volta
Em nossa jornada, enfrentamos os mais diversos inimigos.
Passamos pelos lugares mais estranhos e distantes do planeta.
Podemos ter fugido de tudo. Podemos ter mudado de cidade,
país, continente etc. Podemos ter mudado de profissão.
Podemos ter novos amigos que sequer ouviram falar da Obra.
Mas não podemos fugir de nós. Não podemos
fugir da eterna pergunta: "Quem sou eu?". Não
podemos fugir da ordem: "Conhece-te a ti mesmo".
De acordo com Frankl: "É preciso deixar perfeitamente
claro, no entanto, que o sofrimento não é de
modo algum necessário para encontrar sentido. Insisto
apenas que o sentido é possível a despeito do
sofrimento - desde que, naturalmente, o sofrimento seja inevitável.
Se ele fosse evitável, no entanto, a coisa significativa
a fazer seria eliminar a sua causa, fosse ela psicológica,
biológica ou política. Sofrer desnecessariamente
é ser masoquista e não heróico."
Ou seja, para dar sentido a vida não preciso me desesperar
para me impor um sofrimento. Não preciso voltar a bater
na porta de um centro da Obra, dizer Pax e pedir para escrever
ao Padre. Seria o mesmo que pedir para alguém voltar
ao campo de concentração. O caminho de volta
do herói não é o caminho de retorno à
Obra. É o caminho de volta a uma nova vida.
O caminho de volta do herói é caracterizado
por cenas de perseguição. Quando o herói
resolveu a empreender a jornada ele sabia que haveria perseguições
de todos os lados. Antes de escrever este testemunho sabia
que haverá várias pessoas que não concordarão
com o que estiver escrito. Tive medo de ter de enfrentar diferentes
opiniões e outros pontos de vista. Tive medo até
de uma possível perseguição da Obra,
caso me descobrissem.
Tudo pode ser objeto de crítica. Alguns argentinos
podem achar deplorável o comentário da Copa
do Mundo de 1978. Algumas mulheres podem achar lamentável
falar do peso, pois isto é uma obsessão mundial
feminina. Alguns podem achar que como encontrei um amor terreno
a coisa fica mais fácil. Alguma pessoa da Obra pode
ter entrado neste site e achar horripilante a metáfora
empregada entre a Obra e um campo de concentração.
Caríssimo (as), um dos meus maiores defeitos quando
era da Obra era me preocupar excessivamente com o que os outros
falavam de mim e com as críticas. Isto já não
me importa mais. Se as criticas forem construtivas, que sejam
bem vindas. Se forem destrutivas, esqueço-as.
Para ilustrar um dos meus motivadores, ilustro com uma historinha
muito conhecida em administração de empresas.
Um homem caminha na praia e avista um menino ao longe jogando
estrelas do mar de volta à água. Estas estrelas
do mar existiam aos montes na praia e estavam todas morrendo.
Todo este trabalho do menino parecia ser inútil a este
homem. Então o homem se dirigiu ao menino e perguntou.
"Que diferença faz jogar estas estrelas de volta
ao mar? São muitas. Não vê que não
irá terminar a tarefa?. Não faz a mínima
diferença". O menino responde olhando para estrela
do mar que está na sua mão: "Para esta
faz diferença". O homem então compreende
a diferença e começa a ajudar o menino a jogar
as estrelas de volta ao mar.
Os testemunhos de ex-membros da Obra são infinitos
e em muitos nota-se muita dor. Fiquei motivado a dar algum
tipo de ajuda para quem está sofrendo e isto fiz através
de meu testemunho. Se conseguir ajudar ao menos uma estrela
do mar, ficarei contente.
11. Ressurreição
Para que uma história fique completa, mais uma vez
o herói deve enfrentar a morte e depois renascer, antes
de ingressar de volta ao mundo comum.
O prefácio à edição norte-americana
de 1984, de Em Busca de Sentido, de Viktor Frankl, feita Professor
Gordon W. Allport, ex-professor na Universidade de Harvard,
começa assim: "O escritor e psiquiatra Viktor
E. Frankl costuma perguntar a seus pacientes que estão
sofrendo muitos tormentos graves e pequenos: Por que não
opta pelo suicídio? É a partir das respostas
a esta pergunta que ele encontra, freqüentemente, as
linhas centrais da psicoterapia a ser usada. Num caso, a pessoa
se agarra ao amor pelos filhos; em outro, há um talento
para ser usado, e, num terceiro caso, velhas recordações
que vale a pena preservar. Tecer estes débeis filamentos
de uma vida arruinada para construir com eles um padrão
firme, com sentido e responsabilidade - este é o objetivo
e o desafio da logoterapia, versão da moderna análise
existencial elaborada pelo próprio Dr. Frankl".
O vácuo existencial deixado em nossa alma, após
a retirada da Obra em nossa vida deve ser preenchida.
O sentido da vida difere de pessoa para pessoa, de um dia
para outro, de uma hora para outra. O que importa, por conseguinte,
não é o sentido da vida de um modo geral, mas
antes o sentido específico da vida de uma pessoa em
dado momento.
Deixamos a Obra para trás, sem mais angústias
que me paralisam a vida. O que importa agora é olhar
para frente e preencher a nossa vida com algo positivo. Há
muito o que fazer. Há muito para amar. Há muito
para compreender. Há muito perdoar.
Cada um teve uma experiência com determinado grau de
dor. Uns mais outros menos. Compreender esta dor já
é parte do novo caminho a ser trilhado. Para compreender
desta dor passada posso colocá-la para fora, falar,
escrever e analisar. Esta foi uma experiência única
que só você conhece.
De todo este sofrimento que cada um passou, transformou-nos
numa pessoa mais humana. Aqueles que sofreram e amadureceram,
reconhecem outras pessoas que passaram por tribulações
completamente diferentes e nelas enxergam a beleza de sua
existência. Dizem que na vida só uma coisa é
certa, que é a morte. Pois outra coisa certa em nossa
vida é o sofrimento. Em minha família de sangue,
tenho um tio e uma tia que perderam seus filhos recém-nascidos,
por complicações no parto. Somente uma filha
sobreviveu. Esta filha teve uma vida vegetativa por mais de
20 anos. Caríssimos (as), estes meus tios são
as pessoas mais humanas que já conheci. Também
foram um dos meus apoios após a minha saída
da Obra. Suas compreensões da vida, suas conversas,
são de pessoas especiais, que dificilmente encontramos
na vida. Será que são tão especiais por
que sofreram ou por que sofreram são tão especiais?
Os que sofrem tem uma grande oportunidade de crescimento.
De maneira semelhante, os tios de minha esposa também
tiveram um sofrimento muito grande. Perderam um dos seus filhos
atropelado por uma moto aos 17 anos. Estes tios de minha esposa
também são pessoas especiais para ela. São
diferentes. Têm algo a mais.
O amadurecimento em cada um não é transmissível.
Por mais que falemos aos outros, muitos não compreenderão.
Somente quem passou por isto sabe. Por mais que eu fale para
um amigo não fazer determinada coisa, devido a uma
posição pessoal, posso não conseguir
convencê-lo. Chega numa hora que deixamos que faça.
Pode ser que este amigo quebre a cara ou saia antes da situação.
Aqueles que sofreram e amadureceram sabem colocar-se na pele
dos outros. Por isso são mais compreensivos. Sabem
colocar-se no ponto de vista da outra pessoa e assim sentem
e pensam da forma como a outra pessoa. Respeitam a opinião
alheia. Respeitam o ser humano em sua essência.
12. Retorno com Elixir
De novo citando Frankl, ninguém descreveu melhor o
fato do sofrimento dar ao homem a chance de crescer, principalmente
"transformar a si mesmo" que o pintor e escultor
israelense Yehuda Bacon. Quando criança foi levado
a Auschwitz e após a sua libertação perguntava
pelo sentido que poderia ter os anos que passara em Auschwitz,
ele escreve: "Como garoto eu pensava: eu vou falar ao
mundo o que eu vi em Auschwitz - na esperança de que
o mundo se tornasse outro; mas o mundo não se modificou,
e o mundo nada quis ouvir sobre Auschwitz. Só muito
mais tarde eu compreendi verdadeiramente qual é o sentido
do sofrimento. O sofrimento tem um sentido", escreve
Yehuda Bacon, "quando você mesmo torna-se outro".
A tarefa da busca do sentido é única para cada
pessoa e pode se manifestar de maneiras diferentes ao longo
de nossa vida. Quando digo que é única, digo
que somente eu posso dar este sentido e ninguém mais.
O Mentor deu-me as diretrizes, não caminhou comigo
a jornada. Quem deve trilhar a jornada é o herói.
Não posso repassar, terceirizar esta tarefa a uma outra
pessoa. A vida é assim. Quer mais um exemplo bem banal
que ocorre em nossa vida ? Por exemplo, posso resolver que
domingo irei dormir até mais tarde. No entanto às
6 da manhã de uma fria manhã de inverno, acordo
com vontade de fazer xixi. Somente eu posso aliviar esta vontade
de fazer xixi. Ninguém mais no planeta pode fazer xixi
por mim. Não dá para repassar esta tarefa a
ningúem mais. O que faço ? Levanto-me, faço
xixi e volto a dormir. Além disso, não cumpro
o minuto heróico e nem tomo banho frio. Fico deitadinho
bem enrolado no meu cobertor e volto a dormir gostoso.
13. Uma mensagem de Esperança
De acordo com Frankl " Há um perigo inerente
na doutrina do nada mais que aplicado à pessoa humana:
a teoria de que o ser humano é nada mais que o resultado
de condicionantes biológicos, psicológicos e
sociológicos, ou produto da hereditariedade e do meio
ambiente. Semelhante visão do ser humano faz o neurótico
acreditar no que ele já tende a pensar de qualquer
forma, a saber, que é um fantoche, vítima de
influências externas ou circunstâncias internas.
Este fatalismo neurótico é fomentado e reforçado
por uma psicoterapia que nega liberdade à pessoa humana.
"
Daqui para frente, não importa quantos anos e décadas
passamos na Obra. Não importa se somos filhos de super-numerários
ou não. Não importa o que os outros vão
dizer. O que importa são as realizações
futuras.
O comportamento humano não é determinado. Não
somos robôs programáveis. Se passei décadas
na Obra, não quer dizer que meu processo de recuperação
leve o mesmo número de décadas. Frankl cita
Emil A. Gutheil que "uma das mais generalizadas ilusões
da ortodoxia freudiana é de que a durabilidade dos
resultados corresponde à duração da terapia".
Frankl relatou casos com mais de vinte anos e tratados com
rápida recuperação, cujos efeitos foram
com duração permanente.
Thomas Kuhn elaborou uma teoria onde diz que o progresso
da ciência se dá aos saltos e não de forma
progressiva. O salto ocorre quando se adota um novo paradigma,
um novo modelo para explicar a realidade. Por exemplo, vários
problemas das trajetórias dos astros foram solucionados
quando a Terra deixou de ser o centro do Universo e foi ocupado
pelo Sol. A Teoria da Relatividade de Einstein derrubou o
Modelo de Newton para a explicação de certos
fenômenos.
Os processos de curas rápidas descritas por Frankl
podem ser atribuídos a uma mudança do paradigma
existente. Podemos estar presos a certos paradigmas que me
paralisam para as realizações futuras. A adoção
de uma nova abordagem, de um novo paradigma em minha vida
pode transformar radicalmente a busca do sentido da vida.
Desta maneira eu dou um salto e dou um novo sentido a minha
vida.
Este testemunho procurou quebrar os vários paradigmas
e dogmas que tínhamos. A partir daí podemos
partir para uma nova jornada de um novo sentido para as nossas
vidas. E conseqüentemente achamos a felicidade.
A felicidade não pode ser buscada. Ela é encontrada.
Ela é resultado e conseqüência. De acordo
com Frankl "O ser humano não é alguém
em busca da felicidade, mas sim alguém em busca de
uma razão para ser feliz, através - e isto é
importante - da realização concreta do significado
potencial inerente e latente numa situação dada."
O mais fácil é dizermos: Vou ser feliz, se
ganhar muito dinheiro, se encontrar uma pessoa que me ame,
se fizer muito sucesso. Puro engano. Invertemos a ordem. Se
encontro um sentido em minha vida e tenho um objetivo na mente,
faço uma ou mais realizações. Estas diversas
realizações podem me trazer dinheiro e sucesso.
Estas diversas realizações me fazem feliz. A
minha felicidade contagia outras pessoas. Outras pessoas entram
em contato comigo e gostam de estar comigo devido a minha
felicidade. Neste ambiente encontro alguém e nosso
amor é correspondido.
Bibliografia recomendada
No Brasil:
FRANKL, V.E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo
de concentração. 16ª edição.
Editora Vozes/Sinodal, 2002.
FRANKL, V.E. A questão do sentido em psicoterapia.
Papirus Editora.
COVEY, S. R. Os 7 hábitos das pessoas muito eficazes.
Editora Nova Cultural.
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